Menos cor, mais ação!
Época de Festa da Uva. Clélia me faz pensar no trânsito entre dois tempos. Não me refiro à modernidade de um menino de camisa xadrez e chapéu calçando crocs que estampa os banners pela cidade – mais como a síntese de uma festa que perdeu a identidade do que o retrato de uma evolução. Clélia é viticultora-diarista. Um parreiral e seu alto custo de produção, no ciclo vicioso dos insumos que faz a grandeza das multinacionais, espera por ela nos fins de semana – já não serve mais para o sustento.
Como Clélia, dezenas de vizinhos da comunidade de Monte Bérico (e de tantas outras) desistem de viver da terra, que se transforma em loteamentos. Festejamos a morte das pequenas propriedades? Gostaria que a Festa da Uva fosse a celebração de um resgate dessa faixa verde que está anunciando seu desaparecimento nas placas das imobiliárias. As uvas multicoloridas da prolixa temática desse ano me dizem que é preciso muito mais que criatividade publicitária. Um trabalho amplo, de base, para que videiras (rosadas, brancas e tintas) possam continuar exalando seus aromas no interior.
Clélia sucumbiu à lógica de mercado, mas não se esqueceu das leis da terra. Jamais chega lá em casa de mãos vazias. Compartilha os frutos de sua propriedade, de seu universo autônomo, como quando se vivia isolado. Acredita, e ensina, que a abundância se faz com generosidade. Com suas braçadas de flores, frutas, tempero verde, tomate-cereja oferece suas mitologias. Esses dias “cortou” um temporal com duas facas em cruz na sacada. Sente o terror amplificado das intempéries: as que magoam a horta e as distantes, que entram pela tevê.
Representante do tempo em que a natureza era inimigo a ser domado, Clélia tem a delicadeza de acolher cães e gatos de rua. E mesmo para os terrores mais latentes, como as serpentes, tem um olhar respeitoso. Por esses dias, contou que o marido agarrou pelo rabo – e somente afastou – uma provável jararaca. “As cobras estão sumindo por causa dos agrotóxicos.”
Sábado, entre um turno e outro de trabalho, Clélia achou tempo para juntar pequenas minhocas. Chegou com balde de terra que as crianças acolheram com alegria – fertilizadas. Essa é a colônia que merece os banners, que precisa ser preservada e conhecida – a pequena propriedade sensível à nova ordem ambiental.
Por Alessandra Rech
Como Clélia, dezenas de vizinhos da comunidade de Monte Bérico (e de tantas outras) desistem de viver da terra, que se transforma em loteamentos. Festejamos a morte das pequenas propriedades? Gostaria que a Festa da Uva fosse a celebração de um resgate dessa faixa verde que está anunciando seu desaparecimento nas placas das imobiliárias. As uvas multicoloridas da prolixa temática desse ano me dizem que é preciso muito mais que criatividade publicitária. Um trabalho amplo, de base, para que videiras (rosadas, brancas e tintas) possam continuar exalando seus aromas no interior.
Clélia sucumbiu à lógica de mercado, mas não se esqueceu das leis da terra. Jamais chega lá em casa de mãos vazias. Compartilha os frutos de sua propriedade, de seu universo autônomo, como quando se vivia isolado. Acredita, e ensina, que a abundância se faz com generosidade. Com suas braçadas de flores, frutas, tempero verde, tomate-cereja oferece suas mitologias. Esses dias “cortou” um temporal com duas facas em cruz na sacada. Sente o terror amplificado das intempéries: as que magoam a horta e as distantes, que entram pela tevê.
Representante do tempo em que a natureza era inimigo a ser domado, Clélia tem a delicadeza de acolher cães e gatos de rua. E mesmo para os terrores mais latentes, como as serpentes, tem um olhar respeitoso. Por esses dias, contou que o marido agarrou pelo rabo – e somente afastou – uma provável jararaca. “As cobras estão sumindo por causa dos agrotóxicos.”
Sábado, entre um turno e outro de trabalho, Clélia achou tempo para juntar pequenas minhocas. Chegou com balde de terra que as crianças acolheram com alegria – fertilizadas. Essa é a colônia que merece os banners, que precisa ser preservada e conhecida – a pequena propriedade sensível à nova ordem ambiental.
Por Alessandra Rech
Muito bom o texto de Alessandra e triste ao mesmo tempo... vivemos num tempo tão líquido que me assusta pensar o que virá por aí. Beijos e continue semeando palavras.
ResponderExcluirObrigada pela visita e atenção.
ResponderExcluirNos assusta!
Tudo está mudando muito rápido e para cada vez pior.
Continuarei com certeza!
Beijos!